Por Hellen Jaqueline Belfort
A infância no quilombo Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim, MA) sempre foi cheia de muita alegria. Período que consideramos maravilhoso, a nossa infância carrega saúde, harmonia e sabedoria. Temos respeito para com as crianças, jovens e adolescentes, mas também prezamos pela obediência aos mais velhos.
Sempre que os adultos trabalham, na maioria das vezes, acontece que as crianças jovens ficam cuidando das crianças menores. No entanto, brincam de várias brincadeiras: casinhas, pega-pega, esconde-esconde, pedrinhas (as três marias), gangorra… Todas as crianças se reúnem para passar o dia brincando e ao mesmo tempo cuidam umas das outras com respeito, fraternidade, solidariedade e organicidade. Fazem tudo isso naturalmente.
Hellen Jaqueline
A primeira infância sempre foi cuidada pelos mais velhos. Todas as crianças no quilombo frequentam a escola, e lá ensinam umas para as outras quando essa tem dificuldade nas tarefas de sala de aula. Na casa, muitos pais e mães têm dificuldade nas leituras, são analfabetos. Por essa razão, tem dificuldade em ensinar seus filhos nas tarefas. Mas no Quilombo o companheirismo é muito forte, um ajuda o outro em suas tarefas escolares.
A minha infância foi de trabalhar com as famílias na roça, nas plantações de arroz, milho, feijão, maxixe, quiabo, melancia, abóbora. Mas eu ficava feliz, pois nessas tarefas, aprendia a contar os caroços que tem uma planta na terra, aprendia os nomes dos legumes, plantas e verduras e aprendia organização. Íamos para a roça ao amanhecer e ao retornar, na parte da tarde, as crianças iam para a escola. Íamos e voltávamos a pé para a escola, brincando, e isso era rotina de todos os dias.
Foi uma infância de banhar nos açudes, rios, igarapés. Essa infância foi guiada pela lamparina nas noites escuras dentro do Quilombo, onde as famílias têm o hábito de visitar outras famílias, vizinhos e parentes durante a noite, para falar do dia do trabalho e organizar o dia seguinte. As crianças, jovens e adolescentes sempre acompanham seus pais nessas visitas. Enquanto os adultos conversam as crianças, jovens e adolescentes brincam de contar histórias, lendas e contos que ouvem no dia a dia com os mais velhos.
Quando era data de festas dentro do quilombo, as crianças, jovens e adolescentes sempre participavam. As crianças observavam os adolescentes, ajudavam lavando as louças, carregando lenha, ajudando a lavar a carne para cozinhar para dar à população que prestigiava as festas. Essas ações aconteciam em todas as festividades de Santos: Nossa Senhora Santana, Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio, São Benedito.
As festividades de Matriz Africana acontecem nos meses de janeiro, fevereiro, julho, agosto e dezembro. Janeiro e novembro é o festejo que existe há mais de 100 anos, realizado pelas caixeiras, homens, mulheres, crianças, adultos, jovens e adolescentes. Todos são envolvidos nesses momentos, e em outros momentos como funerais e enterros de pessoas do quilombo.
Aqui, as crianças, jovens e adolescentes aprendem naturalmente as coisas que devem aprender com seus pais, participando de toda essa educação popular e natural com o que é vivenciado dentro do quilombo.
Quando são convidados a participar de eventos, fazem apresentações de tambor de crioula, dança do coco, terço de caixa, entre outras culturas que temos aqui. Nesses conhecimentos elas aprendem sem ninguém ensinar; aprendem naturalmente; tem uma desenvoltura natural de aprender a fazer as coisas que só nossas crianças, jovens e adolescentes sabem fazer.
Essas são algumas das alegrias que as nossas crianças vivenciam aqui no Quilombo Santa Rosa dos Pretos, Itapecuru-Mirim – MA.
Grande abraço!
Grande Axé!
Hellen Jaqueline Belfort Pereira é quilombola, moradora do Quilombo Santa Rosa dos Pretos Itapecuru Mirim/MA, militante do movimento negro quilobola, Agente comunitária de saude, pedagog com pos graduação em Gestão e Supervisão escolar, Coordenadora do UNICQUITA, colaboradora do Centro de Cultura Negra do Maranhão – CONAQ; mãe de 3 e filha de mulher centenária caixeira, que inspirou a vida do quilombo com sua energia.