Por Melina Macuxi
É um grato prazer contribuir para a discussão sobre as múltiplas infâncias no contexto dos povos indígenas. A minha contribuição parte de uma vivência indígena focada em descrever como os Macuxi ensinam valores de viver a infância.
Antes de prosseguir gostaria de explanar um pouco sobre o povo Macuxi. O povo Macuxi tem uma longa história de contato com a sociedade envolvente, o seu território atualmente é partilhado entre Brasil e Guiana. Então, por estarem no território de contexto diferente pode ser que a forma de vivenciar a infância do povo Macuxi tenha algumas distinções. De modo geral, a infância representa para os povos indígena liberdade: misturada com a socialização e com a natureza, seria um combo da educação indígena.
As mulheres Macuxi tem sua forma para instigar as suas crianças. Primeiro, quando a criança completa entre quatro e cinco meses, elas começam a colocá-las entre suas pernas para que comecem a ter equilíbrio, enquanto fazem suas atividades domésticas. Também fazem massagem nas pernas do bebê para que não entortem e fiquem firmes. Aos poucos a mãe vai soltando a criança para sentar-se no chão, até pegar firmeza e ter confiança de deixá-la só.
A educação indígena conta com um propósito. As crianças crescem livres para explorar a natureza, o que permite desenvolver habilidades, sua coordenação motora e se socializar no mundo que as cercam. As crianças indígenas geralmente ganham apelidos (ou nomes de acordo com sua personalidade e suas características), e os nomes podem ser associados com alguns animais. Se a criança for risonha, terá um apelido, se for esperto será dado outro apelido.
Os meninos desde pequenos são ensinados pelos pais na vida cotidiana da comunidade. Fazem miniatura de arco e flecha, zarabatana para que os meninos comecem a se familiarizar com os artefatos e são estimulados a brincar de caçar próximo a comunidade. O mais comum é caçar passarinhos pequenos; pode parecer brincadeira, mas a quando crescerem essa vai ser uma das suas funções.
As crianças aproveitam muito bem a sua infância. Banham no igarapé ou rio, pulam das árvores, sem sombra de dúvida é uma felicidade, uma liberdade. As meninas também são educadas pelas mães nos afazeres domésticos; elas têm miniatura de jamaxi, de peneira e tipiti
Mel Macuxi
No livro do pesquisador Theodor Koch-Grünberg (2001), ele relata a sua observação em relação às crianças. Dizia ele o quão educados eram as crianças indígenas, sempre alegres de como viviam. Embora não fosse o foco do etnólogo as crianças, ele traz muitas situações observadas.
Ao entardecer, os mais velhos reúnem as crianças para contar histórias relacionadas ao povo. Existem conhecimentos ricos, os indígenas carregam sabedoria milenar, dominam técnicas. Quando uma criança demora a andar, tem uma folha que massageiam nas pernas para que ande. Para que seja uma criança tranquila dão banho com folha de algodão. A minha mãe me contava que antigamente, quando a criança tinha raiva ou preguiça passavam a pimenta na bunda, isso os tornavam pessoas proativas e trabalhadoras adultas. A educação indígena ensina os valores, o respeito aos mais velhos, à natureza e aos animais.
Na época de roça, eles vão com a família toda, pois passam muitas semanas produzindo farinha, beiju, caxiri para o consumo. Quando atingem a idade escolar começam a ir à escola, na qual vão ser alfabetizados.
Nos desenhos feitos pelas crianças indígenas, elas desenham e se inserem na natureza, ele tem consciência de fazer parte. Criadas com uma certa independência, a criança aprende a lidar com seus sentimentos. Em um grupo de crianças brincando é raro encrencarem, mas quando ocorre elas choram e vão direto para sua mãe, que por sua vez o ignora. O ignorar tem o intuito de observar o que a criança vai fazer. A socialização é dada pelos pais, assim como processo de construção enquanto pessoa.
A infância indígena não segue a mesma infância dos não indígenas, que passa por um processo de criança, depois pré-adolescente e até se tornar adulto. Na maioria dos costumes dos povos indígenas, a infância acaba quando se inicia a puberdade. Não existe adolescência, é passar do status de criança para um ciclo da vida adulta.
De modo geral, podemos compreender que, ao falar de infância, devemos desconstruir a visão de uma infância universal, pois existem múltiplas infâncias.
Melina Carlota Pereira é uma mulher indígena do povo Macuxi, nascida em Boa Vista, Roraima. Antropóloga e pesquisadora, é mãe de Luiza e filha de Dona Mariana. Trabalha com migrantes em Boa Vista.